Por Luiz Carlos Bordin
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Em meio a discursos cada vez mais duros cobrando contenção de despesas por parte do governo federal, o Congresso Nacional tem aprovado uma série de projetos que vão na contramão da austeridade fiscal. Propostas com forte impacto orçamentário avançaram nas últimas semanas, gerando preocupação na equipe econômica e abrindo uma nova frente de tensão entre o Legislativo e o Palácio do Planalto.
Um dos projetos mais polêmicos foi aprovado pelo Senado e equipara a fibromialgia e a síndrome de dor regional complexa às deficiências físicas, permitindo que pessoas com esses diagnósticos tenham acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), isenção de Imposto de Renda e IPI na compra de veículos, além de cotas em concursos públicos. O texto já havia passado pela Câmara e segue agora para a sanção do presidente Lula.
O problema, segundo técnicos do governo, é que a proposta foi aprovada sem qualquer estimativa de impacto financeiro — mesmo com o BPC sendo hoje uma das principais despesas da União, com gastos que somaram R$ 121,5 bilhões nos últimos 12 meses até maio, em alta de 12% frente ao período anterior.
Além disso, a Câmara dos Deputados aprovou, na Comissão de Finanças e Tributação, um projeto que estabelece um piso salarial de R$ 3.036 para trabalhadores da limpeza urbana e garante aposentadoria especial para a categoria. A medida, que ainda precisa passar por outras comissões e pelo plenário, pode impactar o caixa das prefeituras em até R$ 5,9 bilhões por ano, segundo estimativa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
No Senado, tramita ainda uma proposta que fixa um piso nacional de R$ 13,6 mil para médicos e cirurgiões-dentistas que atuem 20 horas semanais. O texto obriga a União a complementar os salários em estados e municípios onde o valor não for alcançado, o que, segundo estimativas internas, pode gerar um custo adicional de mais de R$ 40 bilhões anuais para os cofres públicos.
Enquanto essas medidas seguem em ritmo acelerado, o governo tenta conter danos e recorrer ao Supremo Tribunal Federal para evitar perdas de arrecadação, como no caso da derrubada do decreto que aumentava o IOF. A crise institucional se aprofundou, com líderes do Congresso cobrando publicamente cortes de gastos enquanto votam projetos que ampliam despesas sem a devida previsão orçamentária, como determina a Constituição.
Nos bastidores, membros da equipe econômica avaliam que o cenário fiscal está ficando “incontrolável” e temem que não haja revisão de despesas capaz de equilibrar as contas diante do avanço dessas propostas. Técnicos alertam ainda para o risco de judicializações, especialmente no caso de concessões de benefícios sociais sem critérios rigorosos.
Apesar das críticas, parlamentares que defendem as propostas alegam que elas corrigem distorções históricas e garantem direitos a populações vulneráveis. O senador Fabiano Contarato (PT-ES), relator do projeto que trata da fibromialgia, afirma que a medida pode beneficiar cerca de 7 milhões de brasileiros.
No entanto, a falta de clareza sobre os impactos fiscais de todas essas decisões reacende o debate sobre a responsabilidade do Congresso diante da grave situação fiscal do país — e deixa o governo com menos margem para manobras em um orçamento já comprometido.