Por Luiz Carlos Bordin
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O padre João Bosco Penido Burnier (foto), assassinado em 11 de outubro de 1976 por um policial militar em Ribeirão Cascalheira (à época chamado Ribeirão Bonito), no interior de Mato Grosso, teve sua certidão de óbito oficialmente retificada pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
A cerimônia de entrega ocorreu na última quinta-feira (28), em Minas Gerais, estado natal do religioso, junto com a entrega de documentos de outras 62 vítimas da repressão militar.
Missionário da Prelazia de Diamantino e coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Norte de Mato Grosso, Burnier era conhecido por sua atuação em defesa dos povos indígenas e das populações vulneráveis. Ele foi morto quando intercedia por três pessoas presas e submetidas a tortura. Durante a discussão com agentes de segurança, acabou alvejado por um disparo de revólver.
Até então, sua certidão trazia a causa da morte como “acidente”. Com a alteração, o documento passou a registrar: “Morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política pelo regime ditatorial instaurado em 1964”.
Dois episódios ocorridos em Mato Grosso, em 1976, simbolizam a face brutal da ditadura militar brasileira (1964–1985) contra religiosos que atuavam em defesa de comunidades indígenas e camponesas. As mortes do padre salesiano Rodolfo Lunkenbein, do catequista indígena Simão Bororo e do padre jesuíta João Bosco Penido Burnier são lembradas como marcos da resistência e da violência de Estado no país.
O primeiro caso ocorreu em 15 de julho de 1976, na aldeia Meruri, localizada entre Barra do Garças e General Carneiro (MT). Ali, Lunkenbein e Simão Bororo foram assassinados durante um ataque armado que, segundo documentos do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), teria sido organizado por fazendeiros contrários à presença da missão salesiana junto ao povo Bororo. A dupla atuava na defesa dos indígenas, oferecendo apoio espiritual, educacional e social.
Poucos meses depois, em 11 de outubro de 1976, o padre João Bosco Penido Burnier foi morto em Ribeirão Cascalheira (MT). O jesuíta intercedia por duas mulheres camponesas presas e torturadas em uma delegacia local quando foi atingido por uma coronhada e um disparo fatal, feito pelo policial militar Ezy Ramalho Feitosa. O crime ganhou repercussão nacional e, em 2009, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) reconheceu oficialmente que sua morte foi consequência da repressão política promovida pelo regime.
As duas tragédias, ocorridas com poucos meses de diferença, expõem como a violência da ditadura alcançou até mesmo religiosos e comunidades que atuavam em prol dos mais pobres e marginalizados. Hoje, nomes como Lunkenbein, Simão Bororo e Burnier permanecem como símbolos de fé, coragem e compromisso com os direitos humanos, lembrados em publicações, homenagens e acervos históricos que reforçam a necessidade de preservar a memória e denunciar os abusos cometidos pelo Estado naquele período.